quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A Brincadeira Da Caneta.

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Tudo começou na 7ª série.
Não me recordo bem quem começou com a conversa, mas me lembro que me chamou a atenção.
A tal da brincadeira do compasso. Eu já ouvira falar disso antes, mas como era muito novo, nunca quis saber mais sobre o assunto.
Logo, havia um pequeno grupo na minha classe que sempre falava sobre isso. E sempre alguém tinha uma história pra contar.
Descobri que haviam outros tipos de "brincadeira": a do compasso, do copo, da tesoura... mas ninguém tinha muita coragem pra fazer isso. Até que um dia, alguém do grupo sugeriu fazermos, na quadra, na hora do intervalo.
Foi improvisado, com o próprio compasso que seria usado, um tabuleiro Ouija em um caderno.
Um círculo com duas falhas: na falha da esquerda, escrito "ENTRADA" e na falha da direita, "SAÍDA". Na parte superior do círculo, o alfabeto completo, a letra "A" próxima a "ENTRADA" e a letra "Z" próxima à "SAÍDA". Na parte inferior, os números de 1 à 0.
O tabuleiro estava pronto. Um rapaz se apoderou do compasso e perguntava: "Tem alguém aí?"
Novamente: "Tem alguém aí?". O compasso se moveu. Pronto. Esse movimento do compasso, apesar de não ser verdadeiro, motivou à todos continuar com essas brincadeiras por todo o resto do ano, no intervalo.
Então o ano terminou.
Já na 8ª série, praticamente o grupo todo continuou na mesma sala. E claro, o assunto retornou com força total.
À princípio, fazíamos essa brincadeira pra assustar quem tinha medo e quem não acreditava.
"Olha fulano, o espírito do compasso disse que você vai morrer em 6 meses...". A pessoa corria, desesperada. E a gente morria de rir.
Até conhecermos as duas irmãs. Estavam em nossa sala, e viram a gente com essa brincadeira.
A mais nova, Juliana, era mais quieta. Conversava pouco, e quase apenas com sua irmã mais velha, a Milena, que falava muito, e sempre assuntos interessantes. E em um desses dias, Milena nos viu fazendo a brincadeira no intervalo.
"Vocês só sabem essa?" E todo mundo disse que sim.
Eu mesmo nunca peguei no compasso pra fazer esse tipo de brincadeira, não por medo, mas achava mais interessante ficar próximo, observando. E percebi que a irmã mais nova sempre ficava meio escondida por trás da irmã mais velha.
As duas passaram alguns dias observando nosso "contato" com o sobrenatural. Tudo falso, é verdade.
Então ela sugeriu: "Amanhã, nós duas faremos uma brincadeira diferente. É a da caneta.".
E todos ficaram olhando pra elas. "Brincadeira da caneta?" perguntei.
"É, muito mais sinistra, e muito mais perigosa. Nós duas fazemos constantemente em casa, e perguntamos várias coisas. E dá certo!".
"Ótimo! Mais uma brincadeira! Mesmo que não seja verdadeira, será muito legal!" pensei comigo.
Indo pra casa, me peguei pensando nessas brincadeiras. Qual seria a reação de todos se em um devido momento, algo verdadeiro acontecesse? Qual seria minha reação?


No dia seguinte, todos os envolvidos estavam eufóricos. É hoje!
No intervalo, fomos ao local mais reservado da quadra, onde ficávamos todos os dias. As duas irmãs se sentaram de frente uma com a outra. O tabuleiro foi feito na hora, no caderno de 400 folhas da irmã mais nova Com um único detalhe: havia uma outra marcação no tabuleiro, escrito "TALVEZ".
Pegaram uma caneta comum, e ficaram com as mãos direitas juntas, como se estivessem se cumprimentando, mas havia uma folga no aperto, e a caneta entre as mãos. Elas ficaram quietas, com os olhos fechados, e de repente a mais velha perguntou: "Tem alguém aí?".
Nada. "Tem alguém aí?". Nada. Logo pensei que elas nem sabiam disfarçar pra enganar os outros.
Quando rolou um olhar de descrença, novamente veio a pergunta: "Tem alguém aí?".
Elas acompanharam com as mãos a caneta até o "SIM".
Os burburinhos pararam. Eu mesmo não traguei o cigarro (havia começado fumar nessa série) e fixei o olhar.
Não pela caneta se movendo, mas pela cara de susto da irmã mais nova. Ela não sabia o que estava acontecendo.
"Qual seu nome?" a mais velha perguntou. E nada. A caneta parada no "SIM".
Após algumas perguntas, a caneta parada. Então a mais velha perguntou: "Quer sair?" E as mãos acompanharam a caneta até o "TALVEZ". Todos se olhando. E eu assustado com a cara de Juliana.
"Vá embora". E nada de movimento. A irmã mais nova estava segurando para chorar, e a mais velha olhando fixamente para a caneta.
"Vá embora". Nada.
"Vá embora". E as mãos acompanharam até o centro do tabuleiro improvisado.
No meio do tabuleiro, as irmãs deram uma folga maior para a caneta. Ao invés de tombar para algum lado, a caneta estava em pé. E de repente, a caneta se afundou no caderno, furando o caderno. Sem impacto. Sem distância. Todas as páginas. Até a capa.
Todos viram. Eu vi. Quem estava presente se afastou, a irmã mais velha soltou um grito, e a irmã mais nova desmaiou, num baque seco no chão.
Todos se afastaram. Socorreram as meninas. "Queima o caderno, queima ele!" a Milena gritou, segurando a irmã nos braços.
O único que estava com isqueiro era eu. Puxei o caderno fora do movimento de pessoas, e percebi que a carga da caneta havia estourado. Só ascendi o isqueiro e vimos a brincadeira queimar.
Nunca mais brincamos disso. Nunca mais conversamos sobre isso com as irmãs.


Engraçado, é que mesmo depois de tanto tempo, às vezes ainda sonho com isso.

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