sábado, 4 de julho de 2015

Neblina.


Está escuro aqui. Alguém acende a luz, por favor?! Ah, não. Espera um pouco. Quase me esqueço de que o problema não é o ambiente em que estou. Não há luz aqui por um único e suficiente motivo. Meus olhos estão fechados. E ao lembrar disso, espremo-os com força, para ter certeza de que não corro nenhum risco. Porque basta uma pequena olhada, e toda minha sanidade se vai.
São poucos os que ainda conseguem se manter assim, de olhos fechados. Sem poder abri-los nem sequer por um segundo. Tudo bem que depois de um certo tempo você até que se acostuma. Mas essa angústia, esse medo...é algo que não vai embora. Ao menos, ainda estamos vivos, o que já é, por si só, um belo motivo para comemorar. Muitos já se foram. Alguns mataram quem mais amavam, guiados inconsequentemente pelo grito ensurdecedor. Muitos se suicidaram. Outros, começaram a assassinar uns aos outros, cegamente. E cada um de nós, que ainda sobrevive, vive sempre se perguntando se é seguro olhar lá fora. Se já se pode avistar algo ao abrir os olhos. Nos perguntamos todos os dias se já é hora de encarar o mundo. E eu me pergunto a cada minuto se a maldita e venenosa neblina ainda está lá fora.
Você não tem ideia do que é viver assim. De olhos cerrados. Sem poder abri-los pela manhã. E tudo o que se ouve é o silêncio. Tudo o que sentimos é frio. E o que nos guia é o nosso tato. Ainda assim, nos sentimos completamente perdidos. Saímos rua afora, procurando algo para se apoiar. Meu corpo já não reage a qualquer estímulo, bom ou ruim. Meus pensamentos divagam entre o que é real ou não. Não sabemos se é noite ou se é dia. Nem ao menos sabemos se os barulhos que ouvimos vez ou outra, são mesmo reais ou apenas um efeito colateral do veneno que está à nossa volta. Ilusão e Realidade perderam suas definições.
Cadáveres estão por todo canto. Posso sentir o cheiro podre de putrefação. Deve ter uma porção deles. Corpos espalhados poeticamente pelos arredores. Esse cheiro tá começando a revirar meu estômago. É algo que não me acostumaria nem em um milhão de anos. Não há mais tempo aqui. Tudo é relativo. Tudo é confuso. E eu que reclamava de ver o mundo daqui de baixo. E eu que me queixava de não ter espaço o suficiente para todos nós e todo nosso ego. Agora há espaço de sobra. Agora não importa mais se vejo o mundo de cima ou de baixo. Porque já não o vejo mais. Simples assim. Malditos humanos! Por que não vieram nos salvar?! Morreram todos, ao que parece. E só restamos nós. Felinos de primeira viagem. Acrobatas da noite. Com nossos chiados e murmúrios; clamando por socorro. Mas ninguém consegue nos ouvir. Porque, para o resto do mundo, somos apenas o que parecemos ser. Gatos. Pobres gatos. Nada mais que isso.

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