sábado, 6 de junho de 2015

O Banquete.

banquete


O disco deslizava na vitrola com suavidade e preenchia o ambiente com acordes agradáveis de jazz. Era uma sala ampla, com janelas altas e envidraçadas. Do lado de dentro, cortinas de tecido translúcido flutuavam seguindo o ritmo da brisa que vinha de fora, desenhando um delicado balé em tons de amarelo e dourado. Mobília antiga, em madeira nobre e preciosos veludos e brocados, adornavam o grande cômodo ostentando riqueza e sofisticação. Tapetes caros, vasos de porcelana e um grande espelho francês sobre o aparador do século XIX. Tudo isso completava o cenário de luxo e opulência que aquela sala de jantar traduzia.

No centro, a mesa do banquete repousava solenemente sob a luz do enorme lustre de cristal. Longa, pesada e escura. Cercada por duas dúzias de cadeiras de espaldar alto, coberta pelos mais variados pratos e iguarias. A prataria reluzia, espalhando faíscas luminosas por entre as taças e garrafas de vinho e champanhe. Um porco descomunal descansava no meio da mesa, gorduroso e grotesco, abocanhando uma grande maçã, vermelha como sangue fresco. Pratos de guisados, tigelas de cremes e molhos de todos os tipos, bandejas de faisões e perus. Doces, tortas e bolos. Bifes exageradamente suculentos, pães de crosta grossa, peixes trazidos de mares exóticos e incontáveis tipos de frutas empilhadas em baixelas de prata. Um enorme caos de comida e bebida que pareciam não ter fim.

Sentado na cabeceira, o anfitrião estava satisfeito. Sentia um prazer peculiar rodeado por toda aquela confusão de cores, cheiros e sabores. A desordem da mesa lhe trazia uma espécie de excitação ao espírito e o deixava quase eufórico. Observava os convidados sem muita curiosidade. Gente que ele conhecia bem pouco, mal sabia seus nomes, onde moravam ou o que faziam. Uma moça loura com quem trocou algumas palavras num trem, um homem de meia idade que encontrou por acaso num bar, um jovenzinho que tentou lhe vender bilhetes de loteria, uma garçonete tagarela de um restaurante barato e mais uma dezena de outras figuras igualmente banais e desinteressantes.

Bebeu um longo gole de vinho. Pousou a taça e voltou a observar com prazer o banquete caótico e confuso. A comida ainda fumegava, disposta ao longo da mesa naquela falta de ordem e de cuidado que tanto lhe agradavam. As aves, os peixes, as sopas. Os pequenos bolos confeitados delicadamente com açúcar.  As carnes assadas com batatas e legumes. As taças de vinho viradas. As cabeças caídas sobre o peito ou dentro de pratos comidos pela metade. A moça loura sangrava pela boca e pelas narinas. O jovem vendedor de loterias ainda regurgitava o resto do creme de cebolas que acabara de comer. Alguns caíram das cadeiras enquanto se contorciam e se debatiam após o veneno começar a fazer efeito. Outros apenas tombaram as cabeças e morreram com mais tranquilidade. Mas no fim estavam todos mortos. Os olhos saltados. As bocas entreabertas. As faces em tons que variavam do roxo ao esverdeado. Mortos.

O anfitrião esvaziou a taça. Um fio avermelhado de vinho escorreu-lhe pelo canto da boca. Encarou o enorme porco com a maçã enfiada na boca. Sorriu, satisfeito. Naquela noite havia comido muito bem.


Via:Contos de Terror.

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