sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Criatura.

the creature
Seus olhos mal piscavam naquele momento, tudo que ele conseguia fazer era ver o diminuto corpo caído no chão. O sangue ainda fresco saía da cabeça tingindo o chão de madeira do quarto, enquanto ele permanecia imóvel com os olhos ainda abertos olhando para o teto. Ele podia jurar ouvir o respirar fraco vindo do corpo, mas sabia que era apenas a sua mente lhe pregando uma peça de mau gosto. Mas o cadáver da sua filha não era o que mais chamava a atenção dentro do quarto escuro, iluminado apenas nos momentos em que os raios desciam dos céus lá fora e clareavam o cômodo. Era a criatura que havia ceifado a vida da pobre criança.
Aquela pobre garota, com seus não mais de seis anos, jazia morta com um olhar assustado como seu pai nunca vira nesse pouco tempo de vida que ela teve. Ele recordava vividamente o sorriso dela com alguns dentes ainda faltando quando eles brincavam juntos no quintal de casa, a maneira feliz e inocente com a qual sorria para praticamente qualquer coisa independente dos problemas, afinal ele não era um pai exemplar, mas amava sua filha como qualquer outro pai faria.
E agora ela estava diante de seus pés sem sequer um resquício da alegria que tinha em vida, as marcas de arranhões em seu rosto já pálido e gélido. Os finos fios loiros de seu cabelo estavam agora sujos de sangue. As mãos já duras ainda seguravam a pequena boneca que ela havia recebido como presente de sua já finada mãe.
O pai estava sentado em sua velha cadeira de madeira os braços já carcomidos pelo tempo. Ele ouvia, além do som da chuva, o leve ranger da cadeira enquanto ela balançava lentamente para frente e para trás mesmo sem quase nenhum movimento dele. E acima de tudo ele fitava com medo a criatura que havia levado o que restava de alegria em seu coração, e o maldito o encarava novamente sem qualquer tipo de expressão, sem qualquer forma de remorso pela ação que havia cometido há pouco.
Um ato de covardia sem tamanho, ao qual ele buscava algum tipo de explicação em sua mente ainda perturbada pelos fatos recentes. Ele buscava alguma explicação. Por que alguém mataria sua filha que nunca fez mal a ninguém? Sua cabeça doía e seu corpo imóvel era incapaz de fazer qualquer ação. A criatura continuava o encarando, às vezes desviando rapidamente o olhar para contemplar seu feito.
O rosto completamente pálido da criatura com aquela expressão morta causava náuseas ao homem, mas ele era incapaz de parar de fita-lo. Seus olhos profundos, secos e sem vida davam calafrios e o enojavam ainda mais. Aquilo não pertencia a esse mundo, era podre demais, não deveria estar aqui e sequer tinha esse direito. Ele sabia o que deveria fazer, estava com seu revolver carregado na mão, estendido sobre do braço da cadeira.
Era sua única chance. Ele não conseguia mais suportar olhar para aquela criatura que o encarava como se nada tivesse acontecido, como se não soubesse que era o responsável por aquela atrocidade a vida de uma criança inocente. Não, ele não aguentava mais, precisava fazer aquilo. Seu nojo desapareceu subitamente sendo substituído por uma raiva colérica.
O homem rapidamente se levantou da cadeira em um impulso que a arremessou contra o chão e com o revólver em punho olhou pela última vez nos olhos da criatura, que dessa vez lacrimejavam, mas ainda o encaravam. E enfurecido com a imagem que via no espelho, colocou o cano do revólver na boca e disparou.

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